A Boneca de Kokoschka (2.ª Edição) de Afonso Cruz

É difícil resumir este livro pela teia que o mesmo contém. Um livro enigmático do início ao fim.Sendo constituído por três histórias diferentes, aparentemente distintas, vai-se, aos poucos, descobrindo novas peças e montando o puzzle. O ponto de união entre as três partes é a história de Oskar Kokoschoka que, por estar tão apaixonado por Alma Mahler, após ter sido abandonado pela mesma, decide construir uma boneca, em tamanho real, reproduzindo fielmente a sua amada. Passado o desgosto, acaba por deitar fora a referida boneca, que é, posteriormente, encontrada por outro homem que a vê como uma deusa.

Contudo, embora haja, de facto, referência a uma boneca e ao pintor Kokoshchka, não são eles os fios condutores da ação e acabam por nem assumir particular relevância na mesma.

A grande particularidade deste livro, na minha opinião, é a existência de várias histórias aparentemente distintas e que, em determinados momentos, se mesclam, se relacionam. Existe, inclusive, um pormenor delicioso: um livro dentro do livro, os dois com estilos tão distintos que parecem de diferentes autores.

Como é habitual na escrita (apaixonante) de Afonso Cruz, a ação está repleta de passagens geniais, reflexões profundas que nos fazem pensar “É isto mesmo!” e que tornam especialmente ténue o limite entre a ficção literária e a própria realidade.



"E aquelas vinte e duas letras era tudo o que era preciso, garantia Isaac, debaixo do soalho. Deus faria o resto. Lá em cima, o que Ele faz é jogar scrabble. As pessoas dão-lhe umas letras, julgam que sabem o que querem, mas não sabem, e Deus com aquelas peças reorganiza tudo e faz novas palavras. Tudo se resume a um jogo de salão. E Deus nem é um grande jogador, como se pode ver pelas bombas que caem lá fora."


No outro dia estava num restaurante e percebi aquilo do Inferno e do Paraíso. É muito simples. Imagina um restaurante onde está um grupo de pessoas a divertir-se. A comida sabe-lhes bem, conversam uns com os outros, o vinho escorrega. Em suma, estão felizes. Noutra mesa há um grupo de pessoas que se olham com ódio, escondem sorrisos, roubam comida, atiram comida. Reclamam da qualidade do serviço. Estás a ver o problema? O restaurante é o mesmo, o chef é o mesmo, a ementa é a mesma, mas uns divertem-se e outros não. O Paraíso e o Inferno são o mesmo restaurante. O que muda são as pessoas que se sentam ao teu lado, na tua mesa.”


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